18 de Maio: Um Apelo Contra o Silêncio - Como a Lei da Escuta Protegida se Torna Vital na Luta Contra o Abuso Sexual Infantojuvenil no Brasil
Já somam 162 municípios com Comitês de Implementação da Lei da Escuta Protegida nos estados do Pará, Amapá, Tocantins e Mato Grosso. A Lei já é vista como o novo capítulo para que crianças e adolescentes vítimas de violências, como o abuso e exploração sexual, sejam efetivamente protegidas após uma denúncia.
Enquanto o país volta seus olhos para o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em 18 de maio, os números recentes revelam uma realidade ainda desafiadora. De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) foram notificados por meio do Disk 100, 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes entre os anos de 2015 a 2021, no Brasil. Os números expressivos ainda não significam nem 10% dos casos denunciados, estima o próprio MDHC.
Neste Dia Nacional, é fundamental não apenas denunciar a violência, mas também promover uma cultura de escuta e proteção às vítimas. A Lei da Escuta Protegida (13.431/2017) oferece uma resposta para quebrar o ciclo de silêncio e impunidade que permeia nessa questão. A Lei busca uma nova abordagem na proteção das vítimas, redefinindo paradigmas de atendimento e atuação do sistema de justiça, da polícia, da educação, assistência e saúde no Brasil.
Nos estados do Amapá (8), Pará (76), Tocantins (45) e Mato Grosso (33), já somam 162 municípios que deram início efetivo à implementação da Lei em suas cidades, instituindo os Comitês de Implementação da Lei da Escuta Protegida. O monitoramento e assessoramento técnico é uma realização do Selo UNICEF edição 2021/2024, iniciativa do Fundo das Nações Unidas pela Infância (UNICEF), com parceria do Instituto Peabiru nesses quatro estados.
“Para garantir a proteção de cada menina e cada menino contra violências, ainda é necessário que todos os profissionais da rede sejam capacitados para acolher essas crianças e adolescentes e fazer o encaminhamento adequado”, defende Rosana Vega, chefe de Proteção da Crianças e Adolescente pelo UNICEF Brasil. No processo de apoio aos municípios por meio do Selo UNICEF na implementação da Lei, a oficial relata que “tivemos números expressivos para a criação dos comitês de implementação da Escuta Protegida, por exemplo, que mudaram paradigmas de atendimento das vítimas de abuso e exploração sexual.” Vega também enfatiza a importância de manter esses comitês operacionais de forma contínua, garantir a elaboração de planos de ação para consolidar os fluxos e protocolos de atendimento e monitorar de perto as ações propostas.
Quebrando o silêncio
A Lei da Escuta Protegida inicia quando o município reúne com instituições-chaves na rede de proteção municipal, como Conselho Tutelar, Secretaria de Assistência, educação, saúde, polícia civil, militar, Defensoria, Ministério Pública, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, entre outros. A partir dessa reunião, o Comitê é formado, e uma agenda de trabalho tem início para realização de outras etapas, como capacitações e elaboração de fluxos de atendimento para que todos os atores possam acolher, por exemplo, e relato espontâneo de forma oficial, e que pode garantir que a criança e o adolescente não sejam revitimizados ao ter que contar a mesma história várias vezes para diferentes autoridades.
Segundo o Articulador do Selo UNICEF no município de Tartarugalzinho, no Amapá, Samuel Soares, a contribuição da Lei é grande, mas exige muita mobilização e articulação. “Na verdade, implementar a lei da escuta protegida é um processo grande de mobilização social, de articulação, de envolvimento dos atores no processo. Acredito que a contribuição é muito grande, porque a gente já tinha trabalho na educação voltado para essas situações. Tanto é que já estamos construindo o nosso fluxo na educação. Nós já tínhamos o informal e agora vamos formalizar o da educação”, conta o articulador.
Michelle Duarte Pereira, Articuladora Municipal do Selo UNICEF do Município de Bandeirantes do Tocantins, considera que o engajamento para a implementação da Lei pelo Selo UNICEF veio atender as demandas que o próprio município já apresenta para proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência. “ Tivemos uma experiência positiva na implementação e na aprovação da Lei da Escuta Protegida, na qual já estamos trabalhando na construção do fluxo de atendimento intersetorial para atender nossas demandas. Criamos o Comitê de Gestão Colegiada da Rede de Cuidado e de Proteção Social de Crianças e Adolescentes vítimas ou Testemunhos de Violência, com uma equipe de pessoas que trabalham em órgãos municipais e estaduais. Estamos realizando a Campanha Faça Bonito com uma grande caminhada em alusão ao Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescente, com enfoque na implementação da Lei da Escuta Protegida”, detalha a articuladora de Bandeirantes do Tocantins.
Parcerias que Protegem
Uma das maiores dificuldades relatadas pelos municípios é conseguir reunir todos os responsáveis da rede de proteção. Sabendo disso, o Selo UNICEF estabelece parcerias com órgãos estratégicos que acompanham e atuam no fortalecimento desses municípios. No Pará, a parceria entre o TCM-PA e UNICEF desempenha um papel fundamental na implementação da Lei: “O Tribunal de Contas dos Municípios compreende que, para a efetiva execução das políticas públicas de proteção, é necessário haver um olhar de prioridade para o enfrentamento das violências que afetam a vida de crianças e adolescentes”, reitera Antônio José Guimarães, presidente do TCM-PA. “É preciso que as gestões municipais paraenses priorizem a infância e adolescência no orçamento público, com políticas públicas intersetoriais que garantam os direitos de meninos e meninas na saúde, na educação, na assistência social, no saneamento e outras áreas.”
O Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Amapá (CAO-IJ MP-AP) já inclui em seu planejamento estratégico institucional a implementação da Lei da Escuta Protegida, por meio de vários projetos e estratégias da própria instituição, que inclui a capacitação de conselheiros tutelares, conselheiros de direitos, trabalhadores do SUAS, Educação, Saúde e Segurança Pública. O promotor de justiça coordenador do CAOIJ-MP, Miguel Ferreira, afirma que “iremos dar continuidade às ações de fomento à elaboração do planejamento municipal com os seus planos, visando a criação e implementação dos fluxos e protocolos de atendimento, com a previsão de recursos financeiros, para efetivação da atenção e atendimento da criança e adolescente vítima ou testemunha.”
No Marajó
A região do Marajó, no Pará, enfrenta muitos desafios no que diz respeito à proteção infantil. Com pouca infraestrutura e vulnerabilidade socioeconômica, a exemplo do que relata a articuladora do Selo no município de Afuá, localizado no Marajó, no Pará. “Uma das maiores dificuldades foi reunir a equipe, pois quando se trata de trabalho intersetorial é muito difícil reunir todas as secretarias e órgãos que trabalham na proteção para a gente discutir todas as ações que precisam ser feitas. Conseguimos montar o comitê e estamos andando. Com muita dificuldade, mas vamos conseguir implementar a Lei. Já sentamos e discutimos o fluxo do município, e agora estamos sistematizando para ficar pronto”, nos conta a articuladora de Afuá, Maria Laide da Silva.
O arquipélago exige uma atenção mais direcionada da esfera pública. Cezar Colares, Conselheiro do TCM-PA, enfatizou a necessidade de enfrentar os desafios do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes no Marajó: “ É necessário envolver áreas da assistência, saúde, educação, segurança, justiça e sociedade civil por resultados concretos, mudanças culturais que se fazem necessária para um olhar de protagonismo infantojuvenil e a efetiva aplicação de recursos públicos para estas ações, atendendo às necessidades da população paraense”.
Sobre o 18 de maio
No 18 de Maio, o país inteiro se mobiliza pelo Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Desde 2000, a data tem como objetivo sensibilizar a sociedade brasileira com ações estratégicas para a prevenção e enfrentamento dessa violação de direitos. Neste ano, a campanha tem como foco o atendimento integral às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Os municípios do Selo UNICEF se mobilizam com eventos e campanhas que envolvem a comunidade. Em Tocantins, o município Arapoema se organiza para data destaca a sua importância: “Sempre é muito importante trabalhar esses temas para que tenha um impacto positivo na vida dos adolescentes, da comunidade, dos responsáveis,” afirma Oziel Bruzinga, articulador municipal do Selo UNICEF. “É uma preocupação tanto do gestor, quanto da rede que trabalha em conjunto, estar fazendo essas mobilizações. Então o impacto que a gente espera é sempre positivo.”
Selo UNICEF
O Selo UNICEF é uma iniciativa do UNICEF para fortalecer as políticas públicas municipais voltadas para crianças e adolescentes. Ao aderir ao Selo UNICEF de forma espontânea, os municípios assumem o compromisso de manter a agenda de suas políticas públicas pela infância e adolescência como prioridade. A metodologia inclui o monitoramento de indicadores sociais e a implementação de ações que ajudem o município a cumprir a Convenção sobre os Direitos da Criança, que no Brasil é refletida no Estatuto da Criança e do Adolescente. O sucesso do Selo UNICEF é resultado da parceria entre UNICEF e governos estaduais e municipais por meio da atuação integrada e intersetorial. A atual edição (2021-2024) conta com a participação de 2.023 municípios de 18 estados, onde vivem mais de 17 milhões de crianças e adolescentes.