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Na Escola Municipal Tancredo de Almeida Neves, em Parazinho (RN), a professora do 5º ano anuncia o intervalo. Os alunos saem para brincar e logo chegam ao pátio. São cerca de 30 crianças que abrem uma grande roda para brincar de “tica-tica” (também chamado de “pega-pega”, em outras regiões do Brasil). Niltomar da Silva Santos está sentado em sua cadeira de rodas e logo faz um aceno para a menina que está ao seu lado. A amiga entende e o ajuda a descer da cadeira para que possa correr de joelhos com os demais. O menino de 11 anos pula, brinca e dá gargalhada. Ele não tem dificuldade de socializar com os colegas e é um dos melhores alunos da turma.

Niltomar nasceu com paralisia cerebral leve. O diagnóstico só veio aos 2 anos de idade quando os pais reforçaram a investigação, pois ele ainda não andava. O que poderia ser um impeditivo para a trajetória do menino se tornou uma oportunidade de desenvolvimento. Graças ao esforço da mãe e do município, Niltomar vem surpreendendo todos e superando desafios.

 

O primeiro direito a que o menino teve acesso foi o atendimento de saúde. Desde o diagnóstico, Niltomar passou a realizar um tratamento lento e progressivo na rede municipal. O atendimento incluía consultas com profissionais locais de saúde e o encaminhamento para um centro de referência em reabilitação na capital do estado, a 125 quilômetros de Parazinho. A proposta era entender como a deficiência se desenvolveria e os estímulos necessários para minimizar o quadro.

Além de acesso à saúde, era preciso que Niltomar tivesse acesso à educação. Até os 6 anos, o menino era carregado nos braços pela mãe, Geralda Nascimento da Silva, até a escola. Naquela época, ela não tinha as informações necessárias sobre todos os serviços a que ele tinha direito. Mas tinha a certeza de que a educação era importante. Geralda teve de trabalhar ainda menina e só conseguiu concluir o ensino médio aos 25 anos. Para ela, a alegria era imensa quando, tão logo chegavam à escola, Niltomar, ainda muito pequeno, dizia “tchau, mãinha” com um largo sorriso no rosto e entrava na sala de aula.

Niltomar teve seu direito à saúde garantido

Esse vaivém da mãe, sempre acompanhando o filho à escola, durou até 2013. Aos 7 anos, Niltomar fez a primeira cirurgia, nos pés, e conseguiu dar os primeiros passos sozinho – literalmente. De mãos dadas com a mãe, o menino entrou andando na escola pela primeira vez. Era um ano de muitas alegrias para Geralda, que viu o filho aprender três coisas novas – ler, escrever e andar.
Os bons resultados foram viabilizados com o apoio dos professores e dos profissionais da rede municipal de saúde, que também conseguiram um andador e uma cadeira de banho para o menino, facilitando a mobilidade dentro e fora de casa.

Uma conquista, novos desafios e a força para continuar 
A alegria de caminhar, no entanto, não durou muito. Conforme crescia, Niltomar foi tendo outras dificuldades decorrentes da paralisia cerebral. Os joelhos apresentaram problemas e, um ano depois da cirurgia, levaram o menino de volta à cadeira de rodas. No mesmo período, o desenvolvimento da fala se tornou um desafio. Mas nem ele, nem a mãe, nem o município desistiram.

Era hora de unir esforços em um atendimento intersetorial para que Niltomar conseguisse superar as limitações físicas e continuar sua trajetória de sucesso escolar. O município conta com uma Sala Multimeios – em que os estudantes recebem o apoio dos agentes das áreas de saúde, educação e assistência social.

Em 2016, Niltomar passou a frequentar o espaço no contra turno escolar. Dentro da sala, os profissionais desenvolvem ações em grupo e avaliam as habilidades e capacidades de cada criança. “De um profissional, a gente vai requisitando outros para adequar a cada caso. Temos muita liberdade de falar com as secretarias, pedir encaminhamentos, solicitar transporte até o hospital e exames gratuitos pela Secretaria de Saúde. Com isso, já conseguimos encaminhar vários casos para além do âmbito escolar”, comenta a professora Ana Cláudia da Silva Rafael, atual coordenadora da sala.

Com o atendimento, Niltomar foi se preparando para uma nova cirurgia. Era preciso passar por um procedimento complexo, que duraria seis horas, para o estiramento dos joelhos. A apreensão tomou conta dos pais, mas correu tudo bem. E o menino voltou para casa para dois meses de repouso.
A mãe se emociona ao contar sobre esse período: “nossa casa virou uma sala de aula”. Graças às constantes visitas da professora Ana Cláudia, a casa dos Silva Santos foi transformada em uma extensão da escola e Niltomar, que sempre acompanhou bem os conteúdos escolares, teve seu direito de aprender, mais uma vez, garantido.

De volta à escola, alegria, aprendizagem e sonhos 

O ônibus escolar passa todos os dias na casa de Niltomar. Foto: UNICEF/BRZ/Pablo Pinheiro

Passado o tempo de recuperação, Niltomar voltou à escola. Ele ainda está na cadeira de rodas, mas continua firme no tratamento, e feliz por estar ali, rodeado de amigos e aprendendo. O menino não precisa mais ser carregado pela mãe. Agora, o ônibus escolar passa diariamente em sua casa. E a rotina de tratamento se intensificou: ele estuda de manhã; as tardes são dedicadas às aulas de música, de dança e ao acompanhamento em grupo com a fonoaudióloga, a psicóloga e a psicopedagoga. 

A vida da família também melhorou. Os Silva Santos se mudaram recentemente para um novo endereço. O vento que vem das janelas refresca as conversas e a divisão de cômodos e corredor garantem a circulação de Niltomar com sua cadeira de rodas. Hoje, a família percebe a vida melhorando em pequenas conquistas. “Agora, eu posso fazer meus exercícios aqui. Na outra casa, não dava certo. Aqui, eu consigo correr e até jogar bola na garagem”, comemora o menino. “Não sobra, mas também não falta”, diz a mãe.

A família já faz planos para o próximo ano. Niltomar teve o diagnóstico de disfemia (gagueira patológica) e vai intensificar o tratamento. O menino também está de dieta, focado em perder peso para realizar uma terceira cirurgia. Em sua lógica de criança, ele brinca com a questão e explica: “Minha mãinha já estava sentindo dor na coluna e eu quis ajudar fazendo essa dieta. Assim, ela vai ficar sempre boa”.
Niltomar e a mãe sabem que ainda têm muitos desafios pela frente, mas preferem olhar para as conquistas e alegrias do dia a dia. Sentado em casa, o menino conta sobre suas disciplinas favoritas: arte e educação física. “A gente vai treinar no ginásio ou na pracinha. Joga queimada, futebol, tica-tica (pega-pega), pula corda, esconde-esconde. Eu gosto mais de duas brincadeiras: futebol e queimada”.

Do alto de sua sabedoria, Niltomar sorri para os visitantes e fala, animado, sobre o que quer ser no futuro: “padre, policial, jogador de basquete. Ah, e também salva-vidas e nadador”. Depois de todos os desafios que ele já superou, alguém duvida que ele vai conseguir?

Selo UNICEF 2017-2020
Parazinho é um dos 156 municípios do Rio Grande do Norte que participam da edição 2017-2020 do Selo UNICEF – são 1.924 municípios em 18 Estados brasileiros. As estratégias de inclusão que beneficiam Niltomar são responsabilidades municipais e ajudam o município a alcançar o Selo UNICEF, que reconhece os municípios que mais avançam na garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes.

A família de Niltomar recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um auxílio do governo federal para garantir que a família tenha recursos mínimos para ele estudar e realizar os tratamentos de saúde. O percentual de crianças beneficiadas pelo BPC é um dos 12 indicadores monitorados pelo UNICEF e melhorar essa taxa ajuda o município a alcançar o Selo UNICEF. Muitas conquistas de Niltomar passaram pelo Serviço Único de Assistência Social (Suas), que deve ser oferecido pelo município e é uma das 17 estratégias que contam pontos para o Selo UNICEF.