Nos municípios certificados e em quase a totalidade dos avaliados no Semiárido, a evolução dos indicadores sociais medidos nessa edição foi maior que a da média brasileira. Os 312 municípios do Semiárido que receberam o Selo UNICEF destacaram-se principalmente por: aperfeiçoar a atenção integral aos primeiros anos de vida, melhorar a permanência e a aprendizagem na idade certa nas escolas, enfrentar a exclusão escolar, ampliar o número de crianças com deficiência em sala de aula, aprimorar a convivência dos alunos e escolas com a escassez de água, promover a participação social de adolescentes por meio do NUCA e mobilizar-se contra o mosquito Aedes aegypti.
Muitos dos municípios do Semiárido que já haviam conquistado a certificação do Selo UNICEF seguidamente continuaram a se inscrever, bem como prefeituras que ainda não foram reconhecidas. O pressuposto é que seus técnicos apostaram mais uma vez na gestão por resultados, visão sistêmica e participação social para continuar a garantir os direitos de suas crianças e adolescentes, ainda que em meio às restrições de recursos financeiros, estruturais e climáticos na região.

Menos desigualdade na educação
Um ponto alto nessa edição do Selo UNICEF foi o resultado positivo dos municípios do Semiárido ao desafio de elevar o percentual de escolas da rede pública municipal que atingiram ou ultrapassaram a meta do IDEB nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) é um indicador nacional de qualidade que influencia na aprendizagem e na permanência de meninos e meninas na escola. Quanto mais um município diminui as diferenças de desempenhos entre seus estabelecimentos de ensino, menos desigual educacionalmente ele se torna.
O percentual de escolas que alcançaram a meta nos anos iniciais do Ensino Fundamental entre os municípios certificados no Semiárido aumentou de forma expressiva, com evolução de quase 6% entre 2011 e 2015, quando o Brasil piorou, com retração de 1,8%. Os avaliados também progrediram: 4,6%.
Buriti dos Montes (PI) manteve em 100%, de 2011 para 2015, o percentual de escolas (3 de 3 unidades) da rede pública municipal que atingiram ou ultrapassaram a meta do IDEB nos anos iniciais do Fundamental. E continuou zerada a taxa de abandono no Fundamental da rede municipal entre 2012 e 2015.
A secretária municipal de Educação e de Assistência Social e articuladora, Maria de Lourdes da Silva Soares, atribui os avanços a uma “combinação de ações”. Entre elas, formação inicial e continuada de docentes, reforço escolar no contraturno, atividades lúdicas (como capoeira, futebol, balé e hip hop), busca ativa de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil ou de uso de drogas, conversas com as famílias, parcerias com organizações sociais e apoio contínuo do prefeito.
O município também equiparou em estrutura as salas de aula rurais com as da zona urbana, contou com o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) e o Mais Educação (PME), ambos iniciativas federais, além de promover concursos de leitura e redação entre estudantes. “Aqui a gente explora os livros, não só lê, faz várias atividades a partir deles e, no fim, tem tudo na memória”, conta Alexandre Torres, 16 anos, aluno do 9º ano do Fundamental em 2015.
Queda na distorção idade-série
Os municípios certificados reduziram a taxa de distorção idade-série nos anos finais (6° a 9° anos) do Ensino Fundamental diurno da rede municipal em 13%, entre 2012 e 2015, e as localidades avaliadas diminuíram 11%, acima da queda do país, de 7,9%. Isso significa menos estudantes em situação de distorção, que é quando a diferença entre a idade do aluno e a idade prevista da série é de dois anos ou mais.
A distorção está presente no Brasil, sobretudo, nos anos finais do Fundamental, o que exige políticas específicas de acompanhamento da etapa, a fim de que toda criança siga estudando e aprendendo na idade adequada. Atrasos nas séries desmotivam o aluno e provocam a desistência dos estudos. Por isso, os municípios que interferiram para melhorar essas taxas ajudaram na prevenção do abandono e da evasão escolar.
Todas e todos na escola
A busca por crianças e adolescentes que estão fora da escola foi realizada por 395 municípios do Semiárido. Eles identificaram nome, idade, sexo, raça/cor de cada um deles, muitas vezes com a ajuda dos próprios adolescentes e da comunidade. A campanha do UNICEF “Fora da Escola não Pode!” promoveu iniciativas locais para acabar com o inaceitável residual de exclusão escolar e garantir o direito de aprender.
Trata-se de uma medida urgente que requer das políticas municipais atenção para comunidades mais afastadas, famílias mais vulneráveis, crianças em situação de trabalho infantil e populações de quilombolas, ribeirinhos e indígenas, principais grupos a quem, historicamente, tem sido negado o atendimento escolar. Fatores como gravidez na adolescência ou perda de interesse devido à ausência de contextualização dos conteúdos escolares também influenciam na desistência dos estudos.
Os esforços municipais durante o Selo UNICEF para combater esse problema colaboraram para a queda na taxa de abandono no Ensino Fundamental: de 3,2% para 2,1%, de 2012 a 2015, entre os municípios certificados no Semiárido. Esse percentual representa um avanço de quase 34%. Para se ter uma ideia, no Brasil como um todo, a melhora foi de 26%. Entre os avaliados, também houve evolução de 30,4%.

Assim como outras localidades, Teotônio Vilela (AL) aperfeiçoou o mapeamento dos estudantes infrequentes. Seis professores contratados se engajaram como agentes na mobilização “Fora da Escola não Pode!”. Com isso, o município diminuiu a taxa de abandono no Ensino Fundamental da rede municipal de 6,6% em 2013 para 0,5% em 2016. Toda semana o grupo checava a frequência nas escolas municipais e, a partir de cinco faltas, visitava a residência de quem estava ausente, orientando- o a voltar. O êxito ultrapassou 85% ao ano. Quando necessário, profissionais da Saúde ou o do Conselho Tutelar eram acionados para ajudar.
O professor agente Mirasmar Siqueira conseguiu que Letícia Silva Santana Oliveira e José Kauan Silva de Araújo voltassem a estudar, após conversar com os jovens, familiares e conhecidos. Letícia, 15 anos, retomou o oitavo ano e Kauan, 16 anos, o sétimo. A estratégia com Letícia foi entender que ela estava com dificuldades para acordar cedo e havia passado por duas cirurgias, então, mudou de período. Com Kauan, o docente pediu ajuda a um senhor próximo, que ele respeita e ouve, o qual aconselhou o jovem a retomar os estudos. “Eu mudei e comecei a ir para a escola”, diz o adolescente.
Creche e pré-escola
A dedicação dos municípios certificados do Semiárido à Primeira Infância, nessa edição do Selo UNICEF, foi constatada, entre outros fatores, pela oferta de novas creches e pré-escolas, um direito de toda criança. Contando com recursos federais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação, prefeituras criaram unidades de ensino em bairros mais afastados de regiões centrais ou na zona rural com estruturas mais favoráveis à aprendizagem. A atitude demonstrou a preocupação de descentralizar a oferta da Educação Básica e garantir o direito de aprender aos mais vulneráveis.
Parte dos municípios arcou com a oferta de educação em tempo integral nesses espaços, medida fundamental porque aumenta a exposição das crianças às situações de cuidado, convivência e aprendizagem. A educação infantil (0 a 5 anos e 11 meses) é de responsabilidade dos municípios e consiste nos primeiros contatos com os espaços formais da Educação Básica, que o estudante deverá trilhar até atingir 17 anos.
O objetivo de melhorar os níveis de escolarização fez Arcoverde (PE) aumentar o número de creches e pré-escolas, investir na formação continuada de docentes e oferecer educação integral em todas as etapas do ensino municipal. “Há integração das outras secretarias com a da Educação, o agente da saúde está muito presente, os pais estão com mais consciência de que lugar de criança é na escola, e temos conseguido formar ótimos leitores”, avalia Zulmira Cavalcanti, secretária Executiva de Educação. Juntas, as medidas colaboraram para o município elevar o IDEB das escolas municipais (14 unidades de ensino) de 3,9 para 5,3, de 2011 a 2015, um avanço de quase 36%.
Inclusão de alunos com deficiências
Da mesma forma que dezenas de municípios certificados, a cidade pernambucana melhorou também no atendimento escolar de crianças com diferentes deficiências: 8 passaram a frequentar a rede regular de ensino em 2014, 38, em 2015 e 84, em 2016.
José Davi dos Santos, 7 anos, é um deles. Tem dificuldades motoras, é cadeirante e deixou para trás um dia a dia isolado em casa. Saiu da invisibilidade quando passou a frequentar, em 2016, o 1º ano do Fundamental na Escola Municipal Alfabeto, que ganhou uma rampa para facilitar a entrada dos alunos cadeirantes na classe. Entre os resultados, as diretoras das escolas arcoverdenses apontaram relatos de mães que observaram melhoras cognitivas, de autonomia e de sociabilidade em seus filhos.
Essa mesma preocupação de inclusão esteve presente em demais municípios do Semiárido: 427 deles realizaram busca ativa, nessa edição do Selo UNICEF, para atualizar seus percentuais de crianças com necessidades educacionais especiais, medida fundamental para assegurar o acesso à aprendizagem. Secretarias municipais proporcionaram, a dezenas de alunos com deficiências, salas de atendimento educacional especializado com educadores aptos a adequar os conteúdos regulares para cada perfil de estudante.
Água de qualidade, banheiro e cozinha na escola
No Semiárido, estima-se haver mais de 3.700 mil escolas sem água e mais de 1.500 sem esgoto. Para conviver melhor com essa realidade, a ação estratégica “Toda Escola com Água de Qualidade, Banheiro e Cozinha” incentivou nos municípios o diagnóstico da rede de ensino, bem como a criação e execução de um plano de ação. Ter água de qualidade saindo das torneiras, banheiros adequados, separados por gênero, e cozinha e refeitório aptos a preparar e a servir a merenda escolar são condições fundamentais para o aprendizado dos alunos.
Como resultado, 2.710 escolas em 241 municípios ganharam mudanças em infraestrutura durante a edição do Selo UNICEF, principalmente, reformas ou construções, de forma a oferecer melhores condições de saneamento e abastecimento, gerando um impacto positivo na vida escolar de mais de 500 mil alunos.
Ao mesmo tempo, as unidades de ensino municipais foram estimuladas a abordar, com os estudantes, conceitos sobre Educação para a Convivência com o Semiárido, por meio da disseminação de dados e caminhos que promovem o desenvolvimento da região e valorizam sua identidade e tradição. Do total, 491 cidades aceitaram o desafio, contribuindo, assim, para uma educação mais contextualizada com a realidade local.
“Essa perspectiva da convivência em torno do direito humano à água resgatou o potencial local, criou conhecimento nas redes municipais e uma sensação de orgulho em todos”, avalia Germano de Barros, presidente do Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), parceiro do Selo UNICEF em Alagoas, Paraíba e Pernambuco.
Entre os 312 municípios certificados no Semiárido, 72 sobressaíram por apresentarem melhores práticas relativas à água e ao saneamento, como criação de Plano Municipal de Saneamento Básico, reparos na rede hidráulica, reformas de banheiros ou cozinhas, construção de cisternas, aquisição de purificadores de água e filtros, aulas informativas sobre recursos naturais, entre outras iniciativas. Avanços relevantes foram registrados nas escolas de 241 municípios.
NUCA: conhecer direitos é essencial para garanti-los
Meninas e meninos de 12 a 17 anos desempenharam papel essencial na edição 2013-2016 do Selo UNICEF. Contribuíram com seus municípios no Semiárido por meio de dezenas de iniciativas no Núcleo de Cidadania dos Adolescentes (NUCA), ação obrigatória na edição. Em contrapartida, o NUCA apoiou o desenvolvimento desses jovens e fortaleceu suas capacidades de participar das políticas públicas.
Pelo menos 525 municípios envolveram 11.500 adolescentes no espaço acolhedor e aconchegante do Núcleo, em rodas de conversa, debates com especialistas, seminários e fóruns nas comunidades e escolas. Foram ocasiões de reflexão sobre a diversidade e as desigualdades do município e, no processo, os grupos cultivaram sentimentos de comunidade, pertencimento e orgulho de sua região.
Cada grupo mapeou espaços de oportunidades de participação local para o jovem e identificou como poderia utilizá-los, conheceu novos bairros, promoveu o mínimo de dez oficinas temáticas e trabalhou a ferramenta do UNICEF “Competências para a Vida”, seguida de campanhas de conscientização, como “Por Uma Infância sem Racismo” e “Fora da Escola não Pode!”. No NUCA meninas negras passaram a soltar seu cabelo afro, antes alisado, num autêntico reconhecimento de sua identidade.
Um mundo inteiro em Pau dos Ferros (RN) “Até surgir o NUCA eu era uma menina cega para a esfera política. Por meio dele, fortaleci minha própria identidade, pois coincidiu com meu processo de transição de gênero, e me formei politicamente. Foi um espaço de acolhimento dos que vivenciam identidades marginalizadas: negros, mulheres e gays”. Assim a jovem Clarice Telles, 19 anos, sintetiza os aprendizados do NUCA que mobilizou de forma vivaz sua cidade, de cerca de 30 mil habitantes. Lá, todas as escolas participaram ativamente do seminário Ser Adolescente no Semiárido, alunos opinaram em comunicação sigilosa (“carta amiga”) sobre a estrutura escolar, adolescentes criaram bibliotecas no presídio e em centro de reabilitação de dependentes e colocaram candidatos a prefeito na praça da Matriz para discutir o Plano Plurianual Participativo. Clarice pretende se tornar juíza e pontua: “Meu sonho seria se derrubássemos todos os muros entre poder público e sociedade civil”. |
As atividades personificaram o artigo 12 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que trata de todas poderem expressar suas opiniões e serem consideradas em todo assunto que as afete. Exemplos virtuosos foram as cartas de reivindicações de direitos enviadas a prefeitos e prefeitas.
Destacou-se igualmente o envolvimento expressivo dos adolescentes em mutirões de combate ao mosquito Aedes aegypti. “Nós entendemos melhor um ao outro e sabemos falar de uma maneira menos formal, mais descontraída. Isso cativa mais o jovem”, conta Miriã Oliveira, 15 anos, que participou das mobilizações em Araçuaí (MG) por uma semana.
Um dos momentos mais emblemáticos envolvendo os NUCAs se deu no seminário “Ser Adolescente em Meu Município”, com celebração e prestação de contas das ações. A edição registrou também uma convivência harmoniosa da diversidade de identidades (de gênero, raça/etnia, deficiência, grupo etário, moradia), bem como as conquistas de jovens que, depois dos aprendizados no Núcleo, alçaram voo e passaram a ocupar assentos em conselhos, secretarias ou gabinetes de prefeituras, manifestaram-se em diversas conferências públicas e acessaram a universidade. A vivência na criação de políticas públicas estimulou também escolhas profissionais nas áreas dos direitos humanos.
Mais cuidados com gestante e bebê
“Queda na taxa de mortalidade, mais cobertura vacinal, Semana do Bebê, Plano Municipal para a Infância, com as ações virando legislação, e trabalho integrado entre Educação, Assistência e Saúde. Tudo isso melhorou o direito da criança sobreviver e se desenvolver”. Assim Wilmarques Santos, articulador de Itabaiana (SE), exemplifica a atenção dos municípios do Semiárido, nessa edição, com os primeiros anos de vida, que influenciarão todos os demais.
O conjunto dos avanços para a população de 0 a 6 anos foi relevante na região, que promoveu diminuição da taxa de mortalidade infantil, aumento do acesso ao pré-natal, capacitações de profissionais que atendem gestantes e crianças, evolução na investigação do óbito infantil e melhoria no registro de nascimento no primeiro ano de vida.
A colaboração entre Saúde, Educação e Assistência Social tomou forma nos 331 municípios que puseram em prática seu Plano Municipal pela Primeira Infância, dispositivo intersetorial com diagnóstico, ações e metas para assegurar o atendimento pleno dos direitos das crianças.
Braço direito (e esquerdo) na prefeitura Na pequena Rodolfo Fernandes (RN), de 4,5 mil habitantes, João Everton Oliveira, 24 anos, conheceu o Selo UNICEF aos 12 e, de lá para cá, vivenciou plenamente a participação juvenil. A tal ponto que, na metade da última certificação, pelo seu desempenho nas mobilizações, foi nomeado articulador. Reverteu com isso um cenário de técnicos desmotivados, e o município sagrou-se vencedor. A gestão seguinte o convidou para ser chefe de gabinete. “Descobri que para trabalhar políticas públicas é só ter vontade, convocar e fazer. Fiquei mais humano, humilde, maduro e passei a me colocar na situação da criança.” Entre os momentos mais marcantes, o hoje graduando de contabilidade relembra o dia em que crianças da zona rural que estavam fora da escola passaram a frequentá-la. Celebra também a aprovação do Plano Municipal da Primeira Infância, a Semana do Bebê no calendário local e os colegas de NUCA que ingressaram na universidade. |

Municípios certificados e avaliados diminuíram sua taxa de mortalidade infantil, de 2011 a 2014, com progresso superior à média do Brasil. Para detectar as causas dos óbitos infantis – o que ajuda no aprimoramento das políticas públicas –, as localidades certificadas investigaram, em 2014, 93% das mortes de crianças de menos de 1 ano, ao passo que no país a média ficou em 82%. Apoiadas nas orientações do Selo UNICEF, cidades pequenas mantiveram zeradas suas taxas de mortalidade infantil, como Viçosa (RN), ou chegaram próximo disso, a exemplo de Serra Dourada (BA).
A assistência preventiva e contínua à gestante e ao feto também alcançou melhora entre os municípios certificados: o percentual de mulheres com sete ou mais consultas de pré-natal subiu de 2011 a 2014, beneficiando mais de 14,2 mil gestantes. Tal progresso, de 14,6% nos certificados, ultrapassou a melhora nacional, de 5,4%. Já o percentual de óbitos de mulheres em idade fértil (10 a 49 anos) investigados também aumentou em 5,6% entre os certificados – mesma evolução do Brasil.
Para ampliar os cuidados com gestantes, mães e bebês, 383 municípios realizaram ações de atenção ao pré-natal e 416 capacitaram profissionais que atendem grávidas e crianças para evitar a transmissão vertical (da mãe para o bebê) do HIV, hepatite B e sífilis.
Aumentaram também, entre os certificados pelo Selo UNICEF na região, os registros de nascimento no primeiro ano de vida, um direito de toda criança. Mesmo abaixo da média nacional, tais localidades tiveram o dobro da evolução dos municípios brasileiros em geral.
Pré-natal indispensável
A comunidade de Araçuaí (MG) intensifico as ações de assistência às gestantes, elevou o número de futuras mães no grupo municipal de gestantes e no acompanhamento médico e melhorou indicadores. Entre 2013 e 2015, o percentual de gestantes que realizaram 7 ou mais consultas de pré-natal passou de 55% para 72,5% e nenhum óbito materno foi registrado.
“Os óbitos infantis são poucos e, quando acontecem, são problemas perinatais, más formações congênitas ou alterações genéticas”, explica a Coordenadora da Atenção Básica do município, Cássia Lopes Elias. Sônia Matos, mãe da menina Luzia Vitória, recorda-se: “Fiz todos os exames no pré-natal. Nas consultas no PSF [Programa Saúde da Família], fui incentivada ao parto normal e também participei de palestras sobre como amamentar”.
Assim como Araçuaí, municípios mineiros certificados no Selo UNICEF evoluíram na diminuição da taxa de mortalidade infantil: uma queda de 24%, indo de 17,9 por mil nascidos vivos em 2011 para 13,6 em 2014. E os avaliados também avançaram, com uma diminuição de 22,7%.
Atenção ao nascimento
Maracanaú, município cearense com população estimada de 225 mil habitantes, elevou, entre 2011 e 2014, o percentual de mulheres grávidas com sete ou mais atendimentos de pré-natal de 49,7% para 62% e subiu a porcentagem de óbitos infantis investigados de 94,4% para 100%. A equipe de gestores aprimorou também o parto humanizado, já oferecido no Hospital da Mulher e da Criança Eneida Soares Pessoa.
Inserido no programa federal Rede Cegonha, de atenção à saúde materno-infantil, o equipamento público realiza em média 350 partos ao mês e atende a outros oito municípios vizinhos. Dos diálogos durante a ação estratégica Semana do Bebê nasceu a ideia de as gestantes poderem escolher o parto normal dentro da água morna.
Em 2015, uma banheira foi instalada no Centro de Parto Normal (CPN) do hospital. A proposta para facilitar o processo do nascimento sem cirurgias ou medicamentos tem a supervisão de profissionais multidisciplinares e conta com o auxílio de terapias para reduzir dores e estresse.
Grávidas da região acessam ali uma série de cuidados de pré-parto, parto e puerpério, que, junto com o pré-natal, contribuem para reduzir as taxas de mortalidade materna e neonatal. Exemplos: leitos específicos, conforme nível de risco; centro cirúrgico; presença de um acompanhante de sua escolha; método “mãe-canguru”, para que o bebê prematuro ganhe peso, com redução do uso de incubadoras; além de planejamento familiar e incentivo ao aleitamento materno e ao parto normal. “Aqui o pai não é visita: pode acompanhar a mãe no processo todo”, explica Luciana Carneiro, enfermeira-gerente.
O olhar atento para o nascimento permitiu que Pedro Henrique da Silva Mendes viesse ao mundo com segurança, no parto normal de sua mãe, a estudante Maria Gabriele da Silva Felix, 18 anos. “Correu tudo bem e estou amamentando”, disse, no leito, com sorriso no rosto, enquanto segurava o bebê.
Semana do Bebê, exemplo de mobilização
Estudos comprovam que os primeiros anos são fundamentais para o desenvolvimento das estruturas física e psíquica da criança e de suas habilidades sociais. Experiências nesse período a influenciam por toda a vida, assim como se tornam decisivas na relação com as pessoas. Por isso, a ação estratégica Semana do Bebê configura um momento significativo para o município refletir, aperfeiçoar-se para cumprir melhor suas responsabilidades e elaborar novas políticas públicas integradas para a população de 0 a 6 anos.
Nessa edição do Selo UNICEF, a transformação da Semana do Bebê em lei municipal foi de extrema relevância para assegurar sua continuidade: 523 municípios do Semiárido realizaram-na pelo menos uma vez entre 2014 e 2016 e, desse universo, 484 localidades inseriram-na no calendário municipal.
Uma considerável sensibilização sobre o cuidado com as gestantes, mães e seus filhos teve lugar nas cidades, em palestras, rodas de conversas, workshops e prestação de serviços em espaços públicos. As mobilizações criativas e vibrantes incluíram desfiles de mães com carrinhos, shows, teatro, noites culturais, distribuição de mudas de plantas, homenagens a avós, hospital de brinquedos e até competições de vitrines entre lojas.
As discussões das Semanas dos Bebês incentivaram, por exemplo, os municípios do Semiárido a melhorarem substancialmente a cobertura da vacina pentavalente (difteria, tétano, coqueluche e Haemophilus influenzae tipo B – meningite e outras doenças bacterianas – hepatite B), distribuída pelo governo federal e essencial para imunizar todas as crianças menores de um ano.
Iracilda Almeida, articuladora de Teotônio Vilela (AL), relata que mães mudaram seu olhar em relação a seus bebês. “Depois de aprenderem sobre a massagem com shantala, várias diziam ‘agora, eu sei fazer carinho nele’. Contaram também que passaram a observar melhor as brincadeiras. Hoje, mães e pais participam da nossa Semana.” O município alagoano elevou, nessa edição, o percentual de mulheres grávidas com sete ou mais atendimentos de pré-natal de 50,8% em 2011 para 66,7% em 2014, um progresso de quase 16%.
Combate ao Aedes aegypti
Uma das características que marcam a história do Selo UNICEF é a adaptação e a evolução de sua metodologia. No início de 2016, quando o Brasil enfrentava o começo da epidemia de zika que afetou milhares de famílias brasileiras – a maioria delas no Nordeste –, o UNICEF desafiou os municípios participantes do Selo UNICEF a colocar em prática uma nova Ação Estratégica. Mesmo faltando poucos meses para o término do processo de envio de documentos de comprovação, 716 municípios assumiram esse compromisso: envolver gestores e população para, juntos, combater o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, febre amarela, chikungunya e zika vírus.
Municípios do Semiárido promoveram forte mobilização para eliminar focos do Aedes. Foi em resposta ao acelerado aumento, em poucos meses, de casos de microcefalia em recém-nascidos relacionados à infecção pelo vírus zika, além da endemia de dengue.
A medida para assegurar às crianças o direito de sobreviver e se desenvolver foi incluída em 2016 nas ações estratégicas do Selo UNICEF, no eixo Participação Social, e contou ponto extra para a certificação dos municípios que comprovaram a redução do número de mosquitos e o risco de proliferação das doenças que ele transmite.
Pelo menos 2.300 mobilizadores municipais participaram de capacitações no Semiárido, gestores criaram e apoiaram o Comitê Municipal Intersetorial de Combate ao Aedes aegypti e promoveram mutirões e faxinas semanais para acabar com criadouros do mosquito em residências, instituições públicas e espaços comuns. No Semiárido, 516 municípios realizaram mutirão de combate ao Aedes aegypti nas comunidades e 482 municípios promoveram atividades de prevenção contra o mosquito nas escolas da rede municipal.
Em Água Branca (PI), a estudante Daniely Oliveira da Silva, 20 anos, hoje vive livre do Aedes aegypti. O município debelou a dengue, confirmando só dois casos em 2016. Antes, a cidade atingira em 2013o elevado nível 7 no Levantamento Rápido do Índice de Infestação por Aedes aegypti (LIRAa), quando o nível 5 já é de alerta. A solução foi integrar vigilâncias: agentes comunitários de endemia se uniram à equipe do Programa Saúde da Família (PSF) em vistorias em 9.500 domicílios para combater focos do mosquito, enquanto a Secretaria de Obras limpou vias.
Cada casa recebeu selo verde (livre de foco), ou amarelo (criadouro, mas sem larvas), ou vermelho (com larva e pupa). Escolas também foram mobilizadas, e a E.M. Maria do Carmo Ennes Fonseca ganhou troféu por contar com o maior número de alunos, professores e funcionários de casas com selo verde, conforme foto ao lado. A seguir, nova lei municipal concedeu incentivo à moradia com selo verde em três vistorias: desconto de 30% no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Assegurou, assim, mais sustentabilidade à política pública da Saúde.
Apoio ao Sistema de Garantia de Direitos
A prevenção e o enfrentamento da violência sexual e do trabalho infantil se fizeram presentes na agenda dos municípios engajados no Selo UNICEF, nos últimos anos, mas ainda é preciso que os resultados evoluam. O avanço pressupõe mais fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos nos municípios, com iniciativas que diminuam efetivamente a exploração e os abusos e que levem em conta, em cada criança, as dimensões de gênero, raça/etnia, moradia e deficiências.
No Semiárido, 491 municípios promoveram ações de informação e comunicação de prevenção à violência sexual e 451 ao trabalho infantil, que atinge meninos e meninas de famílias mais vulneráveis. E 186 localidades relataram executar iniciativas de prevenção à morte violenta de adolescentes. Além disso, 346 municípios implementaram ações de prevenção e atendimento a crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, interrompendo, assim, uma rotina aguda de responsabilidades e desproteção; e 158 colocaram em prática programas de prevenção e notificação compulsória de violência doméstica e sexual.
Novamente, a metodologia da edição valorizou o trabalho harmônico do CMDCA, na formulação, monitoramento e avaliação das políticas, e do Conselho Tutelar, no atendimento e encaminhamento adequados dos casos de violência, abuso e exploração. Dos municípios participantes no Semiárido, 638 informaram ter Conselhos Tutelares com padrão mínimo de funcionamento. Como resultado, ampliou-se a compreensão dos gestores e da população sobre a importância dos conselheiros e do acompanhamento, alerta e vigilante, de cada criança e adolescente.
Mesmo assim, meninos e meninas em conflito com a lei em meio aberto ainda contam com escassas políticas municipais de atendimento socioeducativo adequado: somente 252 municípios do Semiárido informaram dispor dos instrumentos mínimos para implantar essa política.
Um CMDCA e um Conselho Tutelar ativos e participativos podem auxiliar substancialmente no avanço das várias políticas para crianças e adolescentes. É o que Paulo Afonso (BA), de cerca de 120 mil moradores, vem colocando em prática. Conselheiros do CMDCA participaram das escutas à população local para a construção coletiva dos Planos Plurianuais (PPA) e da Lei Orçamentária Anual (LOA). “Nesses encontros olhamos, inclusive, indicadores dentro do Selo UNICEF e dissemos: ‘a gente precisa inserir essa política aqui para a infância’”, conta Bruno Diniz Gomes da Silva, articulador, presidente do CMDCA e coordenador da Casa dos Conselhos, órgão cogestor da política de Assistência Social local.
Os conselheiros também contribuíram com as decisões para ampliar creches e pré-escolas: “O próprio Conselho Tutelar sinalizou ao CMDCA a quantidade de crianças que demandavam creches. Aqui a gente tem um diferencial, que é o diálogo, e nossos anseios chegam aos secretários da saúde, educação, assistência”. A prioridade ao adolescente em Paulo Afonso pode ser observada ainda na adesão ao programa federal Juventude Viva, que colaborou para diminuir o número de mortes violentas de jovens negros, assim como nos CRAS e CREAS bastante atuantes.
Mobilizações contra o trabalho de crianças
O curta-metragem de animação Vida Maria (Márcio Ramos, 2006) conta a história de Maria José, uma menina de família de baixa renda que é obrigada a deixar os estudos para trabalhar. Os anos passam, ela fica adulta, casa, tem filhos e envelhece. A película convoca à reflexão sobre a reprodução do trabalho infantil que ainda afasta milhares de Marias dos direitos de aprender, de se desenvolver e de ser criança.
A prevenção e o enfrentamento do trabalho infantil vêm ganhando corpo nos municípios participantes do Selo UNICEF nos anos recentes. As feiras livres, onde há casos de meninos em situação de exploração, foram alvo de campanhas em muitos municípios.
Nova Cruz (RN) é um dos muitos exemplos. Em 2015, por ocasião do 12 de junho, Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, reuniu adolescentes e técnicos da Secretaria de Assistência Social, que coletaram dados das crianças nas feiras para a inclusão em iniciativas de proteção. No mesmo ano, a cidade aprovou seu Plano Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil, enquanto dezenas de alunos do Fundamental participaram do Primeiro Concurso de Combate ao Trabalho Infantil – uma gincana entre escolas, com apresentações de paródias, cordel, faixas, gritos de guerra e doações de alimentos.
“Percebi uma diminuição de crianças pequenas fazendo frete na feira. Mas a sociedade e o poder público ainda precisam incentivar mais a educação. Lugar de criança não é trabalhando. Se não for à escola aprender, sofrerá com o analfabetismo, empregos ruins e salários baixos”, analisa Danilo Ambrósio, 17 anos, aluno do 9º ano do Fundamental à época das mobilizações.
Articuladoras multiplicadoras
Um dos resultados da participação de técnicos municipais no Selo UNICEF foi o aumento do nível de conhecimento dos mesmos sobre os direitos de crianças e adolescentes. Três articuladoras do Semiárido multiplicaram o que aprenderam para localidades vizinhas a seus municípios. Qualificadas e comprometidas com a causa da infância e adolescência, Gilda, Maria Claudeia e Maria Edivane se tornaram referência e passaram a encorajar outros técnicos a utilizar a metodologia para melhorar os indicadores de saúde, educação, assistência e demais áreas.
“Iniciei como articuladora em 2006, já passei por três grupos políticos diferentes e ![]() social, articuladora de Arcoverde (PE) |
“Participar do Selo UNICEF é mais que um compromisso de gestão pública, é um ![]() |
“Capacitações, documentos, conversas, tudo isso me humanizou como liderança ![]() |
Visão sistêmica a serviço dos direitos da criança
Bananeiras, município da Paraíba laureado com o Selo UNICEF por quatro vezes, buscou nortear a gestão por planejamento e ações entre secretarias nessa edição. “Esse planejar constante, no cotidiano, integrado, tem que ser algo tão natural quanto dar bom dia”, pondera o prefeito Douglas Lucena Moura de Medeiros, que reunia a equipe constantemente para avaliar o andamento dos indicadores. “O Selo UNICEF ‘obriga’ a pensar em conjunto, não só entre as áreas, mas também entre os municípios”. Um exemplo veio da campanha “Infância Sem Racismo”, ação estratégica promovida em parceria com municípios vizinhos.
A cidade tem características comuns a outras certificadas e que também abraçaram a gestão integral por resultados. Exemplos concretos dessa forma de atuar incluem: descentralização e itinerância de serviços públicos para atender a populações infanto juvenis mais distantes e vulneráveis; monitoramento do andamento das políticas; uso de recursos federais para construção de equipamentos públicos ou execução de programas de saúde e educação; apoio de governos estaduais em infraestrutura ou programas; parcerias com grandes fundações ou institutos.
“A pavimentação na área rural, promovida com o governo estadual, combinada ao transporte escolar, com o governo federal, garante o direito de a criança aprender. Elas não ficam mais meses fora da escola como no passado”, aponta o prefeito. O município tem território extenso, de 258 km2, com escolas a até 50 km do centro. No total são 23 unidades de educação municipal e 9 Unidades Básicas de Saúde (UBSs).
Traços da integralidade a serviço dos direitos da infância refletem-se na melhora de indicadores do município: queda na taxa de mortalidade infantil, investigação de todos os óbitos infantis, cobertura de 100% para vacinação pentavalente, diminuição da taxa de abandono no Ensino Fundamental na rede municipal, redução da distorção idade-série nos anos finais (6° a 9° ano) do Fundamental diurno da rede municipal, aumento do percentual de crianças de até 1 ano de idade com registro civil, entre outros.
Em Horizonte (CE), também veterano no Selo UNICEF, o princípio de que cada pássaro contribui com sua gota para apagar um grande incêndio fundamentou a gestão na criação do projeto Beija-Flor. Duas comissões, intersetorial e técnica, com secretarias e a comunidade local, atreladas ao gabinete do prefeito, se reuniram para construir as políticas municipais, de uma forma transversal e integral, para a cidade de 65 mil moradores.
Desafios variados compunham a pauta nos diálogos: de registros civis de nascimento e aleitamento materno a drogas e juventude, passando por evasão escolar. “Cada um pôs a sua gota. Aprendemos que fazer junto era melhor que separado e vimos a evolução na vida dos moradores”, avalia Jô Farias, articuladora e criadora da iniciativa. A prática da intersetorialidade levou Horizonte a zerar indicadores negativos, como a mortalidade materna, e inspirou a administração de outros municípios cearenses.
Não muito longe dali, outra dinâmica de cooperação também se evidenciou. Na região serrana cearense, 15 prefeituras da
Associação dos Municípios do Maciço de Baturité (AMAB) inscreveram-se em todas as edições do Selo UNICEF e se apoiaram mutuamente. Entre 2013 e 2016, discutiram a metodologia e o perfil necessário ao articulador e mobilizaram as primeiras damas. Seis dos 15 municípios foram certificados: Barreira, Guraramiranga, Ocara, Pacoti, Palmácia e Redenção.
Diógenes Luz, articulador de Pacoti, conta sobre os avanços. “Ações como o combate ao Aedes aegypti mudaram nossa rotina. Houve uma mobilização gigante do poder público, por meio de suas secretarias e escolas, além dos jovens e da população. Eles participaram ativamente, a partir do que o UNICEF alertou, orientou e sugeriu, para revertermos o quadro negativo.”