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Capítulo 2 - Evolução de resultados no Semiárido e Amazônia

Dois aspectos principais demonstram a diferença exercida pelo Selo UNICEF nos municípios, na edição 2013-2016, para a garantia de direitos de crianças e adolescentes e a diminuição das desigualdades:

1) os resultados foram melhores nos municípios certificados do que naqueles que são parte dos territórios (Amazônia e Semiárido) e não participaram da iniciativa.

2) os resultados nos municípios que não conquistaram o Selo UNICEF, mas participaram de todo o ciclo e foram avaliados, também progrediram.

O avanço foi maior que a média do Brasil em praticamente todos os indicadores dos certificados das duas regiões. E os municípios participantes alcançaram melhoras superiores às da média nacional em cerca de 60% dos indicadores medidos. Além disso, houve progressos na maioria dos indicadores de saúde e de educação, tanto nos municípios certificados, como nos avaliados, o que demonstra que os dois territórios caminharam na direção certa.

Daniel Pereira, vice-governador de Rondônia, onde 85% dos municípios participaram, ressalta as mudanças registradas em nível estadual: “Todo mundo que participou do Selo UNICEF ganhou. Os índices de educação e saúde melhoram, mesmo nos nossos municípios que não conseguiram a certificação. E a maior parte dos certificados foram municípios pequenos, que precisam de muito apoio. Se for interessada, a cidade vê onde não foi bem, capacita- se, faz, melhora e ganha”.

Avaliados e certificados aprimoraram, por exemplo, os cuidados com os primeiros anos de vida, retirando milhares de bebês e crianças da invisibilidade das políticas públicas, ao elevarem o atendimento pré-natal às gestantes e a cobertura de vacinas e ao diminuírem a mortalidade infantil. Ampliaram também o acesso e a permanência de alunos na Educação Básica e propiciaram assistência social. Evoluíram de forma mais significativa, portanto, no direito de sobreviver e de se desenvolver e no de aprender.

Ainda persistem, contudo, nas duas regiões, desigualdades e violações de direitos, confirmadas por indicadores oficiais. Preocupa a violência letal que tem abreviado a vida de milhares de adolescentes: a mortalidade entre crianças e adolescentes de 10 a 19 anos, por causas externas, aumentou 19,9% de 2011 para 2014 nos municípios participantes do Selo UNICEF na Amazônia e subiu 27,7% nos participantes no Semiárido.

Ou seja, ao mesmo tempo em que municípios salvaram bebês, mães e crianças e lhes garantiram mais direito à saúde, à educação e à assistência, perderam adolescentes, em mortes brutais, principalmente por confrontos armados ou por acidentes em transportes, em motocicletas e automóveis, todos eles eventos evitáveis.

Merecem mais atenção integrada também as situações críticas como exploração exploração sexual infantil, gravidez na adolescência, uso de drogas lícitas e ilícitas e falta de acesso a cultura e lazer – que atingem os direitos de crescer sem violência; ser adolescente; brincar, praticar esportes e se divertir.

A edição chegou a outros resultados positivos na vida de crianças e adolescentes: pelo menos 21,5 mil criaram soluções inovadoras para problemas de seus municípios, passaram a ser mais escutados pelo poder público em espaços de participação e exercitaram o controle social nos Fóruns Comunitários e nas atividades do Núcleo de Cidadania dos Adolescentes (NUCA) no Semiárido e da Juventude Unida Pela Vida na Amazônia (JUVA) na região amazônica.

Centenas de Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs) e Conselhos Tutelares foram encorajados a aperfeiçoar suas práticas para proteger meninos e meninas de forma integral. Dos municípios certificados no Semiárido e Amazônia, 98% registraram ações de implantação e adequação dos Conselhos ao ECA. Ainda devem ser aprimoradas, porém, as políticas de atendimento socioeducativo em meio aberto aos adolescentes em conflito com a lei, pois poucos municípios dispõem dos mecanismos para cumprir essa responsabilidade.

Por que monitorar indicadores

A edição 2013-2016 confirmou mais uma vez que indicadores são aliados fundamentais no aperfeiçoamento das políticas para a infância e a adolescência, porque apontam quais pontos precisam ser melhorados, auxiliando gestores a:

• diagnosticar uma situação;
• traçar metas para melhorá-la;
• definir ações para cumpri-las;
• verificar e registrar os resultados das ações;
• decidir sobre a continuidade das ações.

Os progressos são apontados por quem participou. “Algumas ações aconteciam e não registrávamos. Com o Selo UNICEF, começamos a documentar e, agora, temos a cultura do registro e do acompanhamento contínuo. Fazemos o trabalho paulatinamente e, quando reunimos os dados, percebemos o que fizemos”, avalia Tássio Lima Castor, coordenador de Cultura e assessor da área de Controle na cidade de Glória (BA). “No diagnóstico inicial, o município observou como estava sua situação. No processo, teve mais entendimento da necessidade de fazer os registros dos dados adequadamente. E, no fim, as secretarias terminaram com uma noção do todo”, aponta Marcela Cruz, articuladora de Santana (AP).

A avaliação da certificação foi elaborada de tal forma pelo UNICEF que inibiu áreas de excelência isoladas, ou seja, para conquistar o Selo UNICEF, o município precisou progredir, de maneira combinada, nos diferentes eixos e temas. Cada prefeitura recebeu uma Linha de Base – espécie de fotografia dos indicadores sociais oficiais – no começo e no fim do processo de certificação, e, assim, gestores puderam enxergar onde houve ou não melhorias.

Municípios também foram estimulados a olhar por trás das grandes médias, isto é, a avaliar dados de distritos, bairros ou zonas, de maneira a visualizar quais deles mais exigiam serviços públicos. O exercício deixou mais evidente que, na garantia efetiva de direitos das crianças e dos adolescentes, de nada adiantam bairros com indicadores elevados, se há outros com números baixíssimos ou nenhuma cobertura. É preciso dispensar atenção a todos e também aos mais excluídos dos processos.

“O Selo UNICEF ajuda a iluminar pontos prioritários nas agendas locais. É longevo e de alto impacto. Deve se perpetuar, porque, sem ele, poderemos observar um retrocesso bastante considerável nos indicadores nacionais. Não tenho a menor dúvida disso”, avalia João Meirelles, diretor geral do Instituto Peabiru, parceiro do Selo UNICEF na Amazônia.

Adesão e empenho municipal

Em relação às edições anteriores, a de 2013-2016 registrou o maior número de municípios inscritos até então (1.745) e de certificados (504), o que evidencia o empenho dos gestores para executar melhores políticas para a infância e a adolescência.

Níveis mais altos ou mais baixos de engajamento de prefeitos, prefeitas, articuladores, articuladoras, bem como de secretários e secretárias e das sociedades locais tiveram peso no teor da evolução dos 1.745 municípios inscritos. No fim de quatro anos, 952 municípios foram avaliados (ou 54,5% dos inscritos), dos quais 504 (ou 28,8% dos inscritos) alcançaram a certificação por terem atingido mais resultados concretos em educação, saúde, assistência, proteção e participação social.

Comprometimento e dedicação de centenas de gestores, técnicos e conselheiros de direitos, em meio ao cotidiano exigente de suas obrigações, somados ao protagonismo inquestionável dos adolescentes, permitiram, nessa edição, as melhorias observadas nos municípios do Semiárido e da Amazônia.

É notável que as prefeituras tenham registrado progressos, ainda que em velocidades e densidades distintas, em meio a um cenário exigente e adverso no país. O contexto do período foi de turbulências econômicas, políticas, sociais e climáticas, em que o Semiárido enfrentou sua pior seca dos últimos 50 anos e a Amazônia, períodos de fortes cheias, alternados, em alguns estados, por dura estiagem.

Programas federais sofreram baixas, com interrupção de fluxos de repasses ou redução de recursos. Houve mudanças nas equipes municipais. Pressões políticas regionais e do país afetaram a mobilização e a participação locais, sentidas nas capacitações e nos Fóruns. A edição 2013-2016 consistiu, portanto, em uma prova de resistência e superação. Por isso, em face desse quadro bastante desafiador, os avanços merecem ser celebrados, ainda que precisem ser aprimorados.

Efeitos da gestão intersetorial

Boas práticas intersetoriais nos municípios permitiram uma melhor execução das políticas para crianças e adolescentes. Exemplos não faltaram: Conselheiros Tutelares partilhando um mesmo roteiro de visitas domiciliares com profissionais do Programa Saúde da Família (PSF); agentes de saúde em um bairro com elevada taxa de abandono escolar colaborando com diretores de escola na identificação de alunos infrequentes; professores e assistentes sociais trabalhando juntos na identificação dos estudantes com deficiência ainda sem acesso ao Benefício da Prestação Continuada (BPC); secretárias e secretários de diferentes pastas reservando, em conjunto, recursos no orçamento para as políticas da criança e do adolescente.

Total de municípios na edição 2013-2016

Durante a edição, parte das prefeituras reuniu suas equipes de forma mais frequente para analisar dados, registrar medidas, monitorar processos e institucionalizar ações para a garantia dos direitos de meninos e meninas. Municípios que exercitaram a intersetorialidade citaram resultados. “Foi importante vermos a corresponsabilidade para minimizar indicadores de atraso. Agora, fazemos planejamento integrado e otimizamos ações. Aprendemos a canalizar esforços e a buscar a ajuda de outros integrantes da sociedade. Precisamos partilhar, e esse é um trabalho que não para”, conta Marisa Rodrigues Silva, articuladora de Guamaré (RN).

Aguinaldo Garrido, articulador de Tangará da Serra (MT), destaca a cooperação entre secretarias. “Passamos a fazer reuniões constantes e a ver a participação social com um olhar diferente, porque entendemos que é importante para a efetividade das ações. O secretariado saiu de sua própria área e foi ajudar outras. O Selo UNICEF induz essa ação integrada e visão holística, que já deveria ser natural.”

Mapa Semiárido e Amazônia Selo UNICEF edição 2013-2016

Ainda que a gestão das diferentes áreas em conjunto, sempre em diálogo com a comunidade e, em especial, com os jovens, continue como importante desafio a ser enfrentado, a dinâmica do Selo UNICEF produziu consequências positivas, onde foi praticada. Entre os exemplos, figuram a formação e o aperfeiçoamento de quadros públicos e de novas lideranças, os quais passaram a perpetuar a proposta da gestão intersetorial por resultados em outras iniciativas locais para além do selo.

Metodologia e processos

A edição 2013-2016 teve início com os municípios inscritos no Selo UNICEF sendo reunidos em 5 grupos, de acordo com condições e caraterísticas (população, renda, situação dos indicadores da situação das crianças e adolescentes etc.) e resultados similares na vida de suas crianças. Para ser certificado, cada município seguiu a metodologia do Selo UNICEF de gestão intersetorial por resultados, que une necessariamente avanço nos indicadores (resultados numéricos que os municípios devem melhorar), ações estratégicas (o que os municípios precisam realizar) e participação social.

As ações estratégicas do Selo UNICEF movimentaram as agendas locais e valorizaram os esforços de todos para sua realização. A Semana do Bebê foi uma das ações que mais estimularam, nas duas regiões, o trabalho intersetorial para garantir os direitos das crianças de 0 a 6 anos sobreviverem e se desenvolverem.

O 1º Fórum Comunitário, com papel de planejamento, foi terreno fértil para os indicadores suscitarem o autoexame e as indagações dos participantes, durante o diagnóstico: “Meu município tem crianças fora da escola?”, “Onde elas estão?”, “Como solucionaremos isso?”. Ao final, no 2º Fórum Comunitário, para avaliação e prestação de contas pelos municípios, os avanços foram verificados.

Gestão por resultados

 

O 1º e o 2º Fóruns Comunitários registraram momentos memoráveis de construção coletiva, com a participação de mais de 100 mil pessoas nas duas regiões. Crianças, adolescentes, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, líderes religiosos, agricultores, professores, conselheiros, entre muitos outros, expuseram seus anseios e desejos para o município oferecer melhores políticas para a infância e a adolescência.

Ao longo dos quatro anos, ciclos de capacitações presenciais uniram milhares de técnicos municipais e adolescentes em um virtuoso processo de trocas. Cada região trabalhou guias metodológicos do Selo UNICEF e de temas da garantia de direitos.

Municípios da Amazônia guardam relatos de servidores públicos que superaram o desafio da mobilidade em mais de 24 horas de barco exclusivamente para participar dos encontros em polos regionais nos estados. Localidades do Semiárido registram casos de articuladores e articuladoras longevos, envolvidos há mais de dez anos no Selo UNICEF, que se tornaram multiplicadores valorosos nessa edição.

Todo esse empenho metodológico convergiu para consolidar ainda mais o processo de descentralização da política pública de educação, saúde e assistência social para os municípios, iniciado no fim dos anos 1980 no Brasil.

Plataformas virtuais para acompanhamento dos municípiosCiclos de capacitação - Selo UNICEF - Edição 2013-2016

Uma das inovações do Selo UNICEF foi tornar disponível aos municípios sistemas virtuais e remotos, por meio da internet, para registro dos documentos que comprovavam a realização das Ações Estratégicas e tornar mais fácil e rápido seu envio ao UNICEF.

Os municípios participantes do Semiárido passaram a contar, a partir de 2015, com a Plataforma Crescendo Juntos (PCJ), que permitiu o armazenamento online das atividades dos municípios. O nome não é por acaso: o objetivo é que UNICEF, prefeituras e parceiros se desenvolvam pela interação e troca de informações e aprendizados.

Ferramenta semelhante, o Sistema de Orientação Monitoramento e Avaliação (SOMA) já operava nos municípios da Amazônia desde 2014 e também recebeu dados dos municípios nessa edição, funcionando ainda como espaço de capacitação e orientação remoto para mais de 500 gestores em políticas públicas para a infância e a adolescência.

A PCJ e o SOMA tornaram possível o compartilhamento de experiências e dúvidas entre municípios. Em alguns deles, os adolescentes se engajaram no abastecimento dos dados. Como resultado, ao final, textos, documentos comprobatórios e fotos arquivados compuseram a memória viva do empenho dos municípios para executar as ações da edição.

Trata-se de dois importantes mecanismos de prevenção à descontinuidade de políticas públicas, uma vez que novos gestores podem acessar toda a riqueza de ideias e realizações do município e continuar a avançar a partir dali. Ao mesmo tempo, os novos mecanismos também expuseram fragilidades da cultura da sistematização: municípios tiveram dificuldades para relatar e comprovar o que realizaram e alguns deles acabaram perdendo prazos e desligando-se do processo de certificação. Para melhorar ainda mais esse processo de troca entre municípios participantes, UNICEF e parceiros, as duas plataformas estão sendo integradas para a próxima edição.

Prefeituras com dúvidas no manejo dos dados online foram auxiliadas pela equipe técnica do UNICEF, parceiros ou articuladores de municípios vizinhos, numa rede de solidariedade. Aplicativos de comunicação instantânea de smartphones e redes sociais, como WhatsApp e Facebook, também contribuíram para animar a ampla rede de comunicação entre os participantes do Selo UNICEF.

Avaliação Selo UNICEF

Suporte essencial dos governos

Romper o ciclo de exclusão e pobreza que atinge crianças e adolescentes no país não é missão exclusiva do município. Por isso o Selo UNICEF continuou a fomentar apoios estaduais e federais. Com essa preocupação, o Pacto Nacional Um Mundo para a Criança e o Adolescente do Semiárido visa incluir a infância em políticas estaduais e nacionais e promover intercâmbio de informações e experiências entre governos, organizações da sociedade civil, empresas e cidadãos.

Articulado pelo UNICEF desde 2004, no contexto do Selo UNICEF, agrega lideranças do governo federal e de 11 estados do Semiárido. Também mobiliza a sociedade nacional pela melhoria de vida de crianças e adolescentes dessa região, por meio de relações solidárias entre poder público, sociedade civil e empresariado. Renovado em 2007 e 2012, significa um compromisso de atuação integrada, coordenada e intersetorial, que une esforços para diminuir as disparidades nacionais.

Aliança similar, a Agenda Criança Amazônia surgiu em 2009, após adaptação metodológica às especificidades da região. Foi repactuada em 2015, quando nove governadores da Amazônia assinaram documento com compromissos e indicadores de monitoramento para a promoção, proteção e garantia de direitos de cada criança e adolescente. Ambas as iniciativas tiveram como propósito apoiar o Brasil no alcance dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Em paralelo, governos estaduais contribuíram com a proposta do Selo UNICEF, por meio de nomeação de articuladores, do apoio específico a municípios mais vulneráveis ou do reforço em infraestrutura para as cidades certificadas. Na Amazônia, todas as capacitações foram precedidas de reuniões com as equipes de articulação dos estados. O estado do Amazonas realizou, por exemplo, semanas de cidadania e inclusão nos municípios prioritários, com emissão de documentos de identificação, audiências públicas, formações para a rede de proteção, entre outras ações.

“O Selo UNICEF é ferramenta importantíssima para a definição das políticas de assistência e para a valorização da política de acolhimento. Vemos ser despertada – nos prefeitos, secretários e agentes públicos – a vontade de estabelecer parcerias profícuas para otimizar as ações voltadas a crianças e adolescentes em risco ou situação de vulnerabilidade social”, avalia o secretário de Estado da Inclusão Social de Sergipe, Zezinho Sobral. “O respaldo de uma instituição como o UNICEF, com um selo internacional, qualifica o trabalho e confirma que as políticas estão sendo implementadas.”