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Nova edição do Selo UNICEF reforça visibilidade de crianças e adolescentes indígenas e negros nas políticas públicas


Metodologia propõe ações concretas para enfrentar desigualdades históricas e promover a equidade étnico-racial nas políticas públicas de cada município da Amazônia e do Semiárido Brasileiro  


A nova edição do Selo UNICEF traz uma novidade aos municípios que participarão do ciclo 2025-2028: uma abordagem étnico-racial que vai atravessar todo o percurso metodológico do programa ao longo dos quatro anos de implementação. Isso representa, na prática, que o UNICEF quer fortalecer os esforços para que as políticas públicas alcancem as crianças mais vulnerabilizadas nos municípios da Amazônia e do Semiárido Brasileiro.  

"Já fazíamos isso no UNICEF e nas edições do Selo UNICEF, mas de maneira pontual. Entendemos a necessidade de ter uma ação mais incisiva e proeminente nas políticas públicas e diálogo com os municípios. Isso é importante porque o UNICEF trabalha para que cada criança acesse seus direitos", explica a chefe do escritório do UNICEF em Salvador, Helena Oliveira.  

Ao implementar as estratégias de equidade étnico-racial previstas no Selo UNICEF, os municípios passam a integrar a agenda de políticas nacionais, como o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), previsto pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR); e a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), prevista pelo Ministério dos Povos Indígenas.

No Brasil, meninas e meninos indígenas, quilombolas e negros ainda enfrentam barreiras desiguais no acesso à educação, saúde, proteção social e oportunidades. Muitas vezes, os serviços públicos não chegam a essas comunidades por diversas questões. 

"O Selo UNICEF confirma que não há infância plena enquanto houver exclusão. Esta edição quer garantir que os direitos de todas as crianças sejam respeitados, especialmente aquelas que historicamente vêm sendo invisibilizadas", afirma Rayanne França, chefe interina do escritório do UNICEF em Manaus. 

Helena Oliveira defende o fortalecimento de uma "educação antirracista em que a equidade seja o centro da agenda". 

"O município vai ter condições e ferramentas para efetivar políticas mais equitativas e garantir acesso a quem mais precisa, que em grande parte são as crianças que estão mais distantes no território, garantir aprendizado aos municípios. Alcançar tanto crianças das regiões urbanas quanto das áreas rurais com metodologia prática e efetiva", aponta Helena. 

 

Mãe com bebê indígena sendo atendido por uma profissiona de saúde
 

Caminhos para a transformação 

Capacitações anuais, articulação intersetorial, inclusão de lideranças étnico-raciais e protagonismo juvenil estão no centro da metodologia desta edição. O objetivo é que os municípios não apenas ofereçam serviços básicos universais a essas populações, mas que construam políticas com elas, de forma participativa, respeitosa, inclusiva e transformadora. 

Ao tornar a equidade étnico-racial uma prioridade, o UNICEF dá um passo decisivo para garantir que todas as crianças e adolescentes – independentemente de sua origem – possam viver com dignidade, proteção, de forma justa e com oportunidades reais de futuro. 

Estão previstas ações de equidade étnico-racial nas diferentes áreas, entre elas capacitações de profissionais e reforço da Busca Ativa Escolar (BAE) para alcançar territórios e escolas indígenas e quilombolas; e o incentivo à participação de meninas e meninos negros, quilombolas e indígenas nos Núcleos de Cidadania de Adolescentes (NUCAs). Também é incentivada a participação de lideranças e organizações quiombolas, negras e indígenas em todos os espaços de implementação do Selo UNICEF. 


Além de ações sistêmicas que perpassam todo o Guia Metodológico, a nova edição contará com um resultado sistêmico específico sobre equidade étnico-racial, com um conjunto de atividades relacionadas à promoção de políticas municipais de inclusão de crianças negras, quilombolas e indígenas.  

Essas ações contribuem para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, especialmente o Objetivo 10 (Redução de Desigualdades) e o Objetivo 18 (Igualdade Étnico-Racial), proposto pelo Brasil à ONU em 2023 e adotado voluntariamente pelo País para aumentar os esforços da inclusão das populações negras, indígenas e quilombolas nas políticas. As metas e indicadores estão em fase de desenho, com a participação do UNICEF nas Câmaras Técnicas.

 

 


A contribuição do UNICEF, na prática

O UNICEF disponibilizará um Guia Municipal de Orientação de Políticas de Equidade Étnico-Racial em apoio aos municípios, trazendo exemplos bem-sucedidos de políticas, ações e programas afirmativos sobre o tema; e ofertas de cursos sobre igualdade racial na infância, dentre outras informações relevantes.  Além disso, o UNICEF fornecerá dados demográficos sobre as populações indígenas e quilombolas de cada município, com base no Censo 2022, e atualizará a plataforma do Selo UNICEF, incluindo raça, gênero e deficiência no detalhamento dos indicadores.  

O novo ciclo do Selo UNICEF também se debruça sobre os Planos Municipais pela Primeira Infância (PMPI), dando continuidade ao trabalho de revisão iniciado na edição anterior, por meio da estratégia Primeira Infância Antirracista (PIA). O intuito é garantir que as diferentes infâncias sejam visibilizadas e protegidas. Todas as ações que o UNICEF apresenta são viáveis de serem realizadas no âmbito municipal, respeitando as competências municipais.  

 
Racismo institucional: um enfrentamento necessário 

Um dos desafios profundos para democratizar as políticas públicas e garantir a cidadania plena é o enfrentamento ao racismo institucional, que acaba por limitar os direitos para as populações negras, quilombolas e indígenas. Isso significa que, muitas vezes, o acesso a políticas é travado por instituições e agentes públicos que deveriam ser promotores de direitos. 

"O município vai receber orientações de como preparar e tornar mais habilitadas suas equipes técnicas para fazer a gestão e o atendimento adequado sem práticas racistas nas instituições públicas. Como um/a técnico/a vai fazer um atendimento pleno para crianças de qualquer origem, cor ou cultura", explica a chefe do escritório do UNICEF em Salvador. 

Sobre as expectativas com os resultados desta edição, Helena Oliveira reflete: "A gente espera poder encontrar, daqui a quatro anos, um maior número de políticas municipais de equidade étnico-racial implementadas por municípios, garantindo que mais crianças, nas suas diversidades brancas, negras, indígenas, de diferentes culturas e raças, estejam acessando plenamente seus direitos. É um desejo básico e simples, mas, no atual contexto, desafiante, pois requer o engajamento de todos", pontua. 
 

 


Disparidades raciais permanecem apesar de maior acesso a políticas públicas  


O Censo do IBGE de 2022 contabiliza mais de 27 milhões de meninas e meninos pretos e pardos de 0 a 17 anos no Brasil, sendo 606.359 indígenas e 388.156 quilombolas na mesma faixa etária. Não raro, as desigualdades que se iniciam na primeira infância impactam as trajetórias de brasileiros e brasileiras até a vida adulta. De acordo com o IBGE, as pessoas brancas e amarelas ainda lideram o acúmulo de escolaridade no país, com uma média de 10,3 e 12 anos de estudo, respectivamente. Já a média de anos de estudo de negras e negras é de 8,9, e a de pessoas indígenas é de 7,5 anos.

Também revelou o Censo Populacional do IBGE de 2022 que mais de 3,2 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos não frequentavam a escola naquele ano, dos quais 63% eram meninos e meninas pretos e pardos. Crianças e adolescentes negros também representam 65% entre as meninas e meninos submetidos ao trabalho infantil no Brasil, conforme pesquisa do PNAD/IBGE de 2023.

Nos últimos anos, houve tendência de redução dos índices de pobreza multidimensional para crianças e adolescentes de raça negra, mas as disparidades raciais no país permanecem significativas no que diz respeito às condições de vida e acesso a recursos essenciais. É o que mostra o mais recente relatório de Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil – 2017 a 2023, lançado pelo UNICEF em janeiro último. Enquanto, entre meninas e meninos brancos, 45,2% estão em pobreza multidimensional, entre negros o percentual é de 63,6%.

Crianças negras entre 8 e 11 anos também tiveram maiores privações em educação, especialmente em relação ao analfabetismo. Ainda segundo o estudo, 43,1% de crianças e adolescentes negros estão em alguma condição de insegurança alimentar. Entre meninas e meninos brancos, o percentual é de 27,7%.

 

Debate étnico-racial no Selo UNICEF 

Nos últimos 16 anos, a equidade étnico-racial tem sido um eixo central das edições do Selo UNICEF. Ações como a campanha Por uma Infância sem Racismo e, mais recentemente, as iniciativas piloto Selo+ Indígena (Roraima) e Selo+ Quilombola (Maranhão), ambas ligadas ao Selo UNICEF em sua edição anterior (2021-2024),  mostram o esforço em valorizar identidades e combater desigualdades. Essas duas experiências, desenvolvidas com forte participação de lideranças locais, revelaram que crianças indígenas e quilombolas ainda são pouco alcançadas por políticas universais, mas que é possível avançar com ações específicas e apoio técnico. 

O UNICEF também lançou, em 2023, a estratégia Primeira Infância Antirracista (PIA) buscando chamar a atenção de profissionais brasileiros da educação, assistência social e saúde sobre os impactos do racismo no desenvolvimento infantil, além de garantir, de fato, um atendimento qualificado e humanizado, que leve em consideração as especificidades étnico-raciais das crianças e suas famílias, apoiando mães, pais ou cuidadores a exercer uma parentalidade positiva e estruturante das bases do desenvolvimento infantil. 

As últimas edições do Selo UNICEF revelaram diferentes perfis de municípios: alguns com presença de povos tradicionais, mas sem representatividade nas gestões locais; outros sem essas comunidades, mas marcados por desigualdades raciais. O Selo UNICEF trouxe o aprendizado de que políticas equitativas devem considerar essas realidades e ser construídas junto com quem mais conhece os desafios: as próprias comunidades.