Municípios que participam do Selo UNICEF avançam na garantia de direitos
A pequena Julia nasceu no começo de 2019, em Horizonte (CE). Foi um momento único na vida de Geórgia Cristina, 23 anos, e Wandson Rodrigues, 21. “Eu fiquei o tempo todo do lado dela, não larguei essa mulher por nada. E foi uma emoção única. Eu nunca tinha visto um parto. Agora, era a minha vez. Chegava a pessoa a quem eu ia dedi- car minha vida inteira: a nossa Julia”, conta o pai, emocionado. “A partir daquele momento, foi a certeza de que a vida não ia ser mais a mesma”, complementa a mãe.
Julia nasceu saudável, de parto normal, depois de um pré-natal completo na rede municipal de saúde. “A gente não deixou de ir a nenhuma consulta, foram mais de sete. Foi um acolhimento bastante bom, tudo que a gente precisava, tinha”, conta Geórgia. Os pais de primeira viagem buscaram infor- mação, aprenderam sobre direitos e sobre os cuidados na primeira infância. Julia hoje está forte, sadia, com amamentação exclusiva e todo o amor da nova família que se formou.
A história dela ilustra a de outras 55 mil crianças que poderiam ter morrido por causas evitáveis, de 2004 a 2016, mas sobreviveram graças às ações implementadas nos municípios que participam do Selo UNICEF. Neles, a garantia do direito de crescer com saúde é prioridade na agenda municipal. Os bons resultados se devem a uma
série de fatores.
Esses municípios aprimoraram, por exemplo, os cuidados com os primeiros anos de vida, retirando milhares de bebês e crianças da invisibilidade das políticas públicas. Eles também se empenharam em cumprir as metas do Selo UNICEF relativas à garantia do atendimento pré-natal às gestan- tes e à cobertura de vacinas. Isso, cer- tamente, ajudou a diminuir a mortalidade infantil e salvar vidas.
Outra ação fundamental, que já é parte integrante do Selo UNICEF, é a Semana do Bebê. Trata-se de um momento único para o município reunir a comunidade, trazer informação, refletir, e elaborar novas políticas públicas integradas para a po- pulação de até 6 anos. Só na última edição do Selo UNICEF (2013-2016), 523 municípios do Semiárido e 238 da Amazônia realizaram uma ou mais Semanas do Bebê. Desses, 639 inseriram-na no calendário municipal. O Ícaro Levi, 1 ano e 8 meses (foto acima), nasceu durante uma Semana do Bebê quilombola, em Bequimão (MA). Foi eleito Bebê Prefeito, simbolizando o direito de todas as crianças do município.
Estudos comprovam que os primeiros anos são fundamentais para o desenvolvimento das estruturas física e psíquica da criança e de suas habilidades sociais. Portanto, todas essas ações, unidas a muitas outras e ao trabalho integrado entre educação, assistência e saúde, ajudaram a garantir a mais crianças o direito de sobrevi- ver e se desenvolver.
Estar na escola e aprender
Além de nos cuidados na primeira infância, os municípios participantes do Selo UNICEF também se destacaram em outro campo: a educação. Nesses 20 anos, eles ampliaram o acesso e a permanência de alunos na educação básica, olhando não apenas para as matrículas, mas para uma inclusão real de cada menina e cada menino.
Um desses meninos é o Niltomar, de 11 anos (leia a história dele aqui). Ele encontrou todo o apoio do município em que vive, Parazinho (RN), para realizar seu tratamento de saúde, sem deixar os estudos. Como ele, outras crianças e adolescentes foram beneficiados por ações para incluir todos na escola.
De 2004 a 2016, 1,19 milhão de crianças e adolescentes não abandonaram a escola nos municípios que participam do Selo UNICEF. Cada um deles realizou um esforço conjunto, in- cluindo diferentes áreas – saúde, educação, assistência social, entre outras – pelo direito de aprender.
Entre as atividades, os municípios implementaram a busca ativa de crianças e adolescentes fora da escola, garantindo o direito de estar na sala de aula e aprender. As irmãs Maísa, Gabriela, Isabella e Estefany (as meninas da foto acima) estavam excluídas por uma situação de pobreza. O município de Itabaianinha (SE) ofereceu apoio à família, e as meninas voltaram aos estudos.
Muitos municípios também desenvolveram, na rede escolar municipal, estratégia de promoção da igualdade racial. E investiram na redução da distorção idade-série. Com isso, conseguiram contribuir para que meninas e meninos permanecessem na escola e tivessem direito a uma trajetória de sucesso escolar.
Todas essas conquistas se fortalecem à medida que crianças e adolescentes são ouvidos e envolvidos nas decisões que impactam sua vida. Atualmente, na edição 2017-2020, há pelo menos 32 mil meninas e meninos espalhados pelos 1.544 núcleos de cidadania dos adolescentes, exercendo seu direito à participação.
Assistência e proteção a crianças e adolescentes
Nos campos da assistência social e da proteção de meninas e meninos, também há pontos a comemorar. Um deles é o acesso das crianças a um direito que é o primeiro passo para a cidadania: o registro de nascimento. Nestes 20 anos, milhares de crianças conseguiram seu registro civil, graças ao aumento do percentual de registro nos municípios participantes do Selo UNICEF.
Uma dessas crianças é o pequeno Gabriel, de 1 ano (leia aqui). A família estava em uma situação de vulnerabilidade e passou a ser acompanhada pelo Conselho Tutelar, que se articulou com as diferentes áreas do município de Urbano Santos (MA). A primeira providência foi levar a mãe para registrar Gabriel e a irmã dele, Bruna, que ainda não tinham documentos. Com os papéis em mãos, a menina, de 4 anos, entrou na escola. E Gabriel passou a ser atendido no posto de saúde e nas ações da assistência social.
O registro civil é o primeiro passo. Mas a proteção de crianças e adolescentes é um ponto que ainda preocupa os municípios do Selo UNICEF. Na Amazônia e no Semiárido, ainda persistem desigualdades e violações de direitos, confirmadas por indicadores oficiais. Preocupa a violência letal que tem abreviado a vida de milhares de adolescentes, em especial meninos negros. A mortalidade entre crianças e adolescentes de 10 a 19 anos, por causas externas, aumentou 19,9% de 2011 para 2014 nos municípios participantes do Selo UNICEF na Amazônia e subiu 27,7% nos participantes no Semiárido.
Ou seja, ao mesmo tempo em que municípios salvaram bebês, mães e crianças e lhes garantiram mais direito à saúde, à educação e à assistência, perderam adolescentes, em mortes violentas, principalmente por confrontos armados ou por acidentes em transportes, em motocicletas e automóveis, todos eles eventos evitáveis.
Merecem mais atenção também as situações críticas como exploração sexual infantil, gravidez na adolescência, uso de drogas lícitas e ilícitas e falta de acesso a cultura e lazer – que atingem os direitos de crescer sem violência; ser adolescente; brincar, praticar esportes e se divertir.
Um balanço de aprendizados e conquistas
As conquistas do Selo UNICEF nesses anos só foram possíveis graças ao compromisso e engajamento de cada município. Foi – e está sendo – uma longa jornada, cheia de alegrias e aprendizagens:
- O compromisso de gestoras e gestores é fundamental para que se possam colocar diferentes atores trabalhando juntos, em prol de ações comuns.
- Não se conquistam resultados duradouros sem um trabalho intersetorial – assistência social, saúde, educação, planejamento, obras, etc. – e sem diálogo com toda a sociedade.
- É preciso saber aonde se quer chegar. Para isso, é fundamental planejar, realizar um diagnóstico da situação, entendendo com clareza quem são e onde estão as crianças e os adolescentes mais fortemente impactados pelas desigualdades dentro do município e definir resultados claros para assegurar seus direitos.
- Crianças, adolescentes e suas famílias têm que ser parte da construção de propostas e soluções aos desafios locais. Eles não podem ser tratados apenas como beneficiários, mas copartícipes do processo.
- O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) deve ser fortalecido em seu papel de proposição e monitoramento das políticas públicas voltadas para meninas e meninos.
- E o Conselho Tutelar deve ter sua estrutura adequada de funcionamento e os seus conselheiros capacitados e qualificados para a atuação na proteção de crianças e adolescentes.
- O racismo continua sendo um grande desafio na realização dos direitos de milhares de crianças e adolescentes negros e indígenas e suas famílias. É preciso repensar as práticas de técnicos e gestores responsáveis pela oferta dos serviços de saúde, educação e assistência social.
Todas essas lições ajudaram a desenhar a essência do Selo UNICEF. Neste ani- versário, queremos reconhecer o tra- balho, muitas vezes invisível, de tantas pessoas que, ao acolher, cuidar, dialo- gar, se mobilizar e engajar, salvam vi- das. São elas, juntas, que promovem inclusão, e, mais do que isso, garantem cidadania tanto de quem tem a respon- sabilidade do serviço quanto aos que os buscam. Para cada criança e cada ado- lescente, um compromisso de todas e todos por direitos.