Quando estar na escola é a esperança de sair da miséria

Quando estar na escola é a esperança de sair da miséria

“Eu tive 13 filhos, cinco faleceram, ficaram oito. Nenhum deles teve estudo. Nem eles, nem eu. Na época, tudo era difícil. Eu tive que colocá-los na enxada desde cedo para trabalhar na roça. Aí, eles perdiam a escola. Não tinha jeito, eles tinham que trabalhar, tinham que sobreviver”.

Sentada ao lado da filha e de quatro netas, Silvania Maria de Jesus, 59 anos, se emociona ao contar a saga dessas mulheres, esquecidas no meio do sertão baiano, zona rural de Euclides da Cunha (BA). A fome e a seca fazem parte da rotina. Naquele dia, o gás tinha acabado e, com ele, o dinheiro para o novo bujão. Lá se foi dona Silvania cortar lenha. O fogão improvisado voltou a funcionar, o almoço da família não podia esperar.

Dona Silvania está cansada, são muitos anos sobrevivendo à pobreza. “Criei todos os meus filhos aqui. Meu corpo é assim, magrinho, porque eu nunca deixei de lutar. Sou analfabeta e hoje estou pelejando para aprender meu nome direito. Só sei escrever até o meio, mas estou lutando para aprender.”

O tempo está mais ameno naquela tarde, parece que a chuva finalmente vai cair no sertão. As mulheres estão sentadas na sala da pequena casa de Simone dos Santos, filha de dona Silvania. As paredes de tijolo aparente foram erguidas por um primo. “Ele viu a miséria da minha filha e fez a casa para ela”, explica a mãe.

Ainda faltam alguns pedaços da casa, que ficaram por construir quando o pouco dinheiro acabou. As paredes do fundo e um pedaço do teto ainda não estão lá. No lugar deles, algumas cortinas improvisadas. Quando a chuva chegar, vai cair dentro do quarto das meninas e molhar os poucos brinquedos que ali estão.

Busca Ativa Escolar reúne representantes da Educação, Saúde, Assistência Social e Planejamento em uma mesma plataforma.
Busca Ativa Escolar reúne representantes da Educação, Saúde, Assistência Social e Planejamento em uma mesma plataforma. Foto: UNICEF/BRZ/Raoni Libório

Trajetórias que se repetem

Falando baixinho, com as filhas no colo, Simone sorri e explica: “a gente vai levando a vida”. A trajetória da jovem se confunde com a da mãe. Com 24 anos, mãe de quatro meninas, Simone também não sabe ler e escrever. “Sou analfabeta, não nego. Eu tinha muita vontade de estudar para ter alguma coisa na minha vida, para ter um futuro. Cheguei a ir para a escola algumas vezes, mas parei quando tive minhas filhas. Tive a primeira com 14 anos, foi nessa época que deixei de estudar”.

Naquele canto do sertão, as trajetórias dessas mulheres se repetem em um ciclo de analfabetismo, gravidez precoce e miséria. Silvania está em sua luta diária para cuidar da família, Simone não tem mais sonhos para si. Mas as duas mulheres se olham e sorriem quando falam da nova geração. As netas de dona Silvania, filhas de Simone, agora estão na escola. E o ciclo de pobreza pode ser quebrado.

Quando uma criança volta à escola, toda uma família vai com ela

No Brasil, 1,7 milhão de crianças e adolescentes estavam fora da escola em 2018. No Semiárido e na Amazônia, eram 800 mil. Para rever esse cenário, o Selo UNICEF propõe que os municípios realizem a Busca Ativa Escolar. Ela tem por objetivo apoiar os gestores públicos na identificação, no registro, controle e acompanhamento daqueles que estão fora da escola ou em risco de evasão. Implementar essa estratégia é uma das condições para que o município seja certificado pelo Selo UNICEF.

Nesta edição do Selo UNICEF, 90% dos municípios participantes aderiram à Busca Ativa Escolar, e foram de casa em casa, atrás de cada criança e adolescente que não estava na escola (confira aqui).

Em janeiro de 2018, a família de Silvania, moradora de Euclides da Cunha (BA) recebeu a visita da Busca Ativa Escolar. O município fez adesão à proposta do UNICEF e saiu a campo para encontrar cada uma das crianças e dos adolescentes excluídos. Nessa busca, Lucijane Neves, coordenadora operacional da inciativa no município, e Marly Matos, vice-diretora da escola da região (EM Luís Valeriano Dias), souberam que, ali no sertão, havia crianças fora da escola e com baixa frequência escolar, e foram até lá.

“Eu fiquei muito feliz quando elas chegaram aqui em casa e disseram que tinha vaga para a Yasmin na escola. No começo, eu estava com medo. Aí explicaram que a escola era boa, que ia dar boa educação e coloquei ela. Achei que ela ia gostar e realmente aprender na vida”, diz Simone.

O despertar de Yasmin

Yasmin está com 4 anos, idade a partir da qual a Educação é obrigatória no Brasil. A mãe não tinha muita informação e não ia matriculá-la por enquanto. Queria que a menina crescesse um pouco mais. As duas irmãs mais velhas, Nicole (5 anos) e Mikaele (10 anos), estavam matriculadas, mas faltavam bastante e estavam em risco de evadir. A equipe da Busca Ativa fez a matrícula de Yasmin na hora e orientou a família sobre a importância da frequência escolar.

“Sabíamos que, para aquelas meninas, estar na escola era a chance de escrever um futuro diferente”, diz Marly. “Não podíamos perdê-las. A partir daquele dia, passamos a acompanhar de perto as três para que não deixem a escola”. O apoio próximo da Busca Ativa Escolar está dando resultados.

“Agora minhas três meninas já estão na escola. Só falta essa pequena aqui, a Luciene, de 7 meses. Entendi que, quando ela tiver com 4 anos, tenho que matriculá-la também”, diz Simone, a mãe das meninas.

Ao ver a filha falar convicta sobre a educação das netas, dona Silvania se emociona novamente. O acesso das meninas à escola é a prova de que ela não viveu em vão. “Nós não estudamos. É a causa da nossa fraqueza. O meu prazer é ver essas netinhas na escola, formadas, para amanhã e depois sobreviver, ter o pão de cada dia e poder dar uma vida melhor para a mãe delas. Sei que um dia vou ouvir elas dizerem ‘eu vou dar essa alegria à minha avó, que lutou tão bem por mim”.

Sobre a Busca Ativa Escolar

A Busca Ativa Escolar é uma plataforma gratuita para ajudar os municípios a combater a exclusão escolar, desenvolvida pelo UNICEF em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e o Instituto TIM. No âmbito do Selo UNICEF, a implementação do programa faz parte dos resultados sistêmicos e é uma ação obrigatória para os municípios inscritos na iniciativa.

A intenção é apoiar os governos na identificação, registro, controle e acompanhamento de crianças e adolescentes que estão fora da escola ou em risco de evasão. Por meio da Busca Ativa Escolar, municípios e estados terão dados concretos que possibilitarão planejar, desenvolver e implementar políticas públicas que contribuam para a inclusão escolar.

A Busca Ativa Escolar reúne representantes de diferentes áreas – Educação, Saúde, Assistência Social, Planejamento – dentro de uma mesma plataforma. Cada um tem papel específico, que vai desde a identificação de uma criança ou adolescente fora da escola até a tomada das providências necessárias para a matrícula e a permanência do aluno na escola. Todo o processo é feito pela internet e a ferramenta pode ser acessada em qualquer dispositivo como computadores de mesa, computadores portáteis, tablets ou celulares. Há também formulários impressos para agentes comunitários e técnicos verificadores que não têm acesso a dispositivos móveis. www.buscaativaescolar.org.br

O Selo UNICEF

A Edição 2017-2020 do Selo UNICEF contou com a participação de mais de 1.924 municípios de 18 estados brasileiros, na Amazônia e no Semiárido. Seu sucesso é resultado da parceria entre o UNICEF e governos estaduais e municipais por meio da atuação integrada entre diferentes níveis de governo voltados às crianças e adolescentes.

Alcançar os mais de 1.900 municípios que participam do Selo UNICEF só é possível graças ao apoio de milhares de doadores individuais e de parceiros corporativos como Amil, Instituto Net Claro Embratel, Fundação Itaú Social, RGE, Enel, Coelba, Cosern, Celpe, BNDES, CPFL, Sanofi, Neve, Energisa, Celpa e Cemar.